sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônica da meia-noite.

Foi para o bar. Não encontrou amigos. O garçom avistou-o:
- Que desejas?
- O de sempre.
Pôs, na frente dele, uma dose de solidão.
- Quer saber, misture uma dose de cada um desses que eu pedir, e dê-me em um copo maior. Ou numa taça, para ser mais poético.
- O que o senhor deseja então?
- Melancolia, angústia, raiva, ódio, traição, falsidade, mágoa, amargura, rancor...
- Dor também?
- Por favor. Acho que já está bom, qualquer coisa, peço novamente.
O garçom, cuidadosamente, pegava as garrafas, uma a uma, e mostrava-a. Feito isso, pegou a coqueteleira, pôs as doses, novamente, uma a uma, fechou e misturou. Pôs numa taça de vinho tinto, encheu três quartos. Segurou a taça, mirou seu conteúdo como um assassino mira sua vítima, com orgulho. Engoliu tudo em um gole.
Levantou-se e foi embora, antes do garçom dizer que tinha que pagar, avisou-o que voltaria mais tarde, para não se preocupar. Saiu, virou à esquerda, um rapaz o puxou para um beco, e assustado, disse-lhe
- Você não deveria ir lá. Eu sei. Eu sei. É perigoso, você vai se matar. Vai se matar, eu sei, eu sei.
- Sai daqui verme moribundo ambulante. A vida é minha, faço o que quiser.
- Você vai se machucar. Você vai machucar quem te ama. Você vai morrer, eu sei. Eu sei
Assustado, pensou em voltar ao bar, pensou em seguir seu caminho, pensou em vaguear, por fim, acendeu seu cigarro. Um trago, uma lágrima, uma nota perdida. Outro trago, outro arroto, outro dia de derrota. Mais um trago, mais uma decepção, mais uma noite solitária. Viu um bordel. Decidiu-se adentrar.
Entrou, viu as dançarinas. Duas sentaram-se ao seu lado, enquanto uma terceira sentava em seu colo.
- Oi amor, meu nome é Culpa, acho que você tá precisando de mim agora!
- Sai daqui Culpa, ele tá precisando é de Ressentimento, ou seja, eu!
- Fora vocês duas, suas vadias. Eu sou o que ele precisa, meu nome é Felicidade.
- Pensando bem, eu preciso das 3, podemos ir para o quarto?
As três, em coro uníssono, gritaram
- Claro!
E lá se foram os 4, para a suíte. Ficaram, mais ou menos, uma hora lá dentro. E só se ouvia os gemidos. Saiu de lá por volta da meia noite. A melhor transa que tivera. A melhor transa que tivera em tempos. Voltou ao bar.
- Ainda bem que não encontrei aquele mendigo maldito pelo caminho!
- Que?
- Nada, lembra da mistura que pedi, faça outra, por favor.
- É pra já, senhor.
O ritual seguiu a ordem. Tomou, desta vez, em alguns goles. Alguns goles intercalados por um cigarro que acendera.
Enquanto isso se desenrolava, o mendigo adentrou ao bar, mas só o observou de longe. Um gole, um trago, uma música pedida. Pedia, sempre, aquela música da nota perdida. Aquela música da noite perdida. Aquela música da vida perdida.
Começou a suar frio, sentiu sua consciência pesar, quebrou o copo na mão. Caiu. Sangrou. Ninguém disse nada. A banda tocou a marcha fúnebre. E o mendigo quebrou o silêncio.
- Eu avisei que ia morrer. Eu avisei, eu sei, eu sei. Eu tentei te impedir, mas você não quis. Mas você não quis. Eu sei, eu sei. Só para avisar, meu nome...
- Qual seu nome?
- Meu nome? Eu não me lembro.
- Sai daqui vagabundo.
- Eu devo estar embriagado, deixa eu fumar.
- Não, sai daqui vadio.
- Estou me lembrando, meu nome é Amor Próprio. É, Amor Próprio!
Pegou um cigarro e o acendeu, enquanto a alma do corpo que a pouco jazia, ascendia às estrelas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário